MUITAS MULHERES, MUITOS TRABALHOS

Por @ane.valls

A Perky Shoes me propôs um exercício de reflexão para esse 8M: falar sobre minha situação enquanto mulher na minha área de atuação. Várias críticas disparando em diferentes direções pela minha cabeça. Proponho - antes de contar um pouco das coisas que estão implicadas no meu campo profissional específico - que a análise prossiga e que cada uma de nós, nas suas condições, possa tirar um momento do dia de hoje e ponderar as gradações dos trabalhos vários (inclusive comunitário, de cuidados, de afetos, reprodutivos e de produção de vínculos sociais) que exercemos dia-a-dia por aí e por aqui. Bora promover esse intercâmbio de experiências, das formas de pensar, de ressonâncias e lutas? Esses diagnósticos heterogêneos certamente fortalecem uma força que é comum e vital. Conto abaixo um pouco da concretude (que às vezes passa também pela ordem do simbólico) do lugar onde me situo.

O feminismo foi um imenso avanço intelectual, espiritual e prático em minha vida, como ser humano e como estudiosa .
Linda Nochlin (1974)

 

O mundo das artes visuais é mais um dos campos que não é muito fácil para a produção de mulheres, seja prática, seja teórica. Me encontro nesta segunda distinção, especulativa e plural, ou seja, trabalho em meio a discursos, narrativas, conceitos e debates. A grande maioria desses estudos sempre foi legitimada por homens e enfatizou homens (os ditos gênios), gerando um desequilíbrio chocante na História da Arte tradicional, que nos ensina a admirar e respeitar somente eles . Nos últimos anos, vêm se questionando essa disparidade, que requer um trabalho de detetive: recuperar nomes, histórias, documentos e obras delas, rompendo silenciamentos e contribuindo na revisão dos cânones. Quando se examina as situações históricas e as mulheres artistas do passado, muita coisa significativa e reveladora vem à tona, sobretudo a noção pessoal que se tem do que é arte; abandona-se uma ideia antiga e se passa a olhar o mundo com outros olhos, operando com novas ideias. A potência criativa feminina ao longo dos tempos é atravessada por saque de ideias, mecanismos de desqualificação e desvalor das obras, interrupções na carreira artística devido a trabalho reprodutivo, imagens estereotipadas das mulheres, ausência de acessibilidade a materiais e espaços, entre tantos limites que desacreditam da nossa validade. Encontrar expressões artísticas com poder e grandiosidade e difundir essas perspectivas multifacetadas em sala de aula e em instituições culturais é uma das grandes satisfações e estímulos que tenho enquanto pesquisadora, professora e mulher feminista, num estado constante de mediação e transação. Quantas mulheres em cargo de direção em instituições, exposições individuais de mulheres em museus, trabalhos de mulheres negras, mulheres trans, mulheres indígenas conseguimos reunir em mente? A tentativa de resposta a essas perguntas nos garante pelo menos uma verdade: somos categoricamente privadas de uma série de oportunidades visíveis. Em meio a tantas disputas, olho por perto e encontro muitas vozes e corpos que se reconhecem, se apoiam e constroem feminismo(s) da(s) diferença(s). São colegas, coletivos, públicos leigos das mais diversas idades, imbuídos do compromisso de ampliar conhecimentos, gerar novas noções, repercutir ideias e afetos que se aproximam do que é nossa realidade, mais completa e mais complexa. Nossa luta é para a transformação do mundo a ponto de uma pergunta como aquela acima não possa ser respondida facilmente tamanho o número expandido de presenças e práticas. 

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A Anelise Valls é porto-alegrense, sagitariana, dona de um casal de gatos, doutoranda em Artes Visuais na UFRGS e se dedica a estudar temas sobre arte contemporânea e feminismos. Coordena grupos de estudos sobre Feminismos e História da Arte. É professora de História da Arte no Atelier Livre e coordenadora educativa na Casa Baka.

 

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